1.5 Testes Acelerados

Atualmente os fabricantes enfrentam o desafio de desenvolver novos produtos, com tecnologia mais avançada e em tempo recorde enquanto que, paralelamente, devem continuar os esforços de melhoria da produtividade, da confiabilidade de campo e da qualidade de maneira geral. Em termos práticos, isso significa que as informações referentes à confiabilidade dos produtos necessitam ser obtidas em um período curto de tempo, para que possam ser utilizadas em novos projetos e na melhoria dos já existentes. As informações referentes a performance dos produtos originam-se basicamente de duas fontes: dados de campo e dados experimentais (testes).

Os dados de campo, como o próprio nome sugere, são aqueles oriundos de uma operação de campo. Para alguns tipos de produto, é comum realizar uma espécie de “teste de mercado” bem antes do seu lançamento. Nesses casos, um determinado número de produtos é alocado a uma amostra de consumidores, em que a performance do produto é observada por um certo período de tempo em condições reais de uso. Um outro tipo de dado de campo é obtido através das chamadas dos serviços de assistência técnica autorizados. Entretanto muitos produtos modernos são projetados para operar, sem falhas, por anos. Portanto, é de se esperar que poucas unidades irão apresentar falhas durante o período de observação. Em particular, os dados obtidos através dos serviços autorizados muitas vezes não são totalmente confiáveis e, em geral, estão disponíveis apenas para produtos dentro do prazo de garantia. Terminado esse período perde-se o acompanhamento da “vida” do produto. A perda de acompanhamento é devido a dois fatores: o consumidor, por motivo de custo, resolve recorrer a serviços não autorizados ou o serviço autorizado, mesmo quando requisitado, não envia as devidas informações ao fabricante. No caso de produtos fora do prazo de garantia, o cliente arca com o custo do serviço. Consequentemente, do ponto de vista do prestador de serviços, não há razão para comunicar o fabricante. Devido a todos os problemas expostos, essas fontes de dados são em grande parte das vezes insuficientes sendo necessário então a coleta de dados experimentais. No entanto, os testes realizados sob condições normais de uso são demorados e caros. Uma forma frequentemente utilizada para obter informações de maneira mais rápida, facilitando a predição da confiabilidade é a realização de testes acelerados. Em geral, a informação obtida sob altos níveis de estresse, por exemplo taxa de uso, temperatura, voltagem, é extrapolada por meio de um modelo estatístico-físico para obter estimativas por exemplo do tempo médio ou mediano de vida nas condições de uso. Embora os teste acelerados sejam utilizados de uma forma ou de outra pelas indústrias, existem opiniões divergentes a respeito de como realizar tais testes e interpretar os dados coletados. Algumas questões que normalmente surgem são:

Quantas e quais variáveis de estresse devem ser utilizadas?

Quantos níveis de estresse devem ser utilizados? (é comum submeter todos os itens em teste a um mesmo nível de estresse?)

Quais níveis de estresse devem ser escolhidos?

Qual deve ser a forma de aplicação do estresse?

A verdade é que os testes acelerados quando bem entendidos, cuidadosamente realizados e os resultados apropriadamente analisados podem agregar muito valor ao produto. Por outro lado, quando utilizados sem critério e os dados analisados de maneira inapropriada podem levar a erros grosseiros.

A seguir apresentamos alguns conceitos básicos de testes acelerados, bem como variáveis de estresse e formas de aplicação dos níveis de estresse. Ainda, apresentamos algumas considerações importantes para a realização de tais testes.

5.1 - Conceitos Básicos

A teoria de testes de vida acelerados engloba conceitos já vistos anteriormente, como falha, tipos de censura e também outros conceitos específicos que são utilizados somente nesses tipos de testes. A seguir apresentamos alguns conceitos básicos importantes para o entendimento dessa teoria.

Testes de vida acelerados

Testes acelerados são aqueles em que a resposta de interesse é o “tempo até a ocorrência da falha”. O objetivo nesse caso é estimar, por exemplo, a MTTF (MTBF) e a função de confiabilidade. Através da modelagem de tais dados podemos extrapolar, com um certo cuidado, os resultados obtidos nos testes para as condições normais de uso.

Para ilustrar, consideremos as memórias de computador do tipo RAM (“random access memory”) fabricadas por uma indústria. Uma das medidas de performance desse produto é o tempo de acesso. A “falha”, nesse caso, poderia ser definida como “tempo de acesso superior a um valor pré-determinado”. Portanto, em um teste de vida acelerado para esse produto, a resposta de interesse seria o “tempo necessário para que o tempo de acesso da memória se torne superior ao valor pré-estabelecido”. Para isso, esses dados são coletados sob alguma condição estressante, como por exemplo temperatura mais alta.

Como um outro exemplo, consideremos um produto congelado qualquer. Suponha que o fator estressante para a realização do teste seja a temperatura (as unidades do produto são submetidas a teste sob temperaturas mais altas do que a temperatura de armazenamento). Com isso, uma medida de interesse é o nível de micro-organismos no produto. A “falha” nesse caso seria o “nível de micro-organismos superior a um valor especificado ou tolerado pelo organismo humano”. Portanto, em um teste de vida acelerado, a reposta seria o “tempo até que o nível de micro-organismos supere o valor especificado”. Com isso é possível determinar o prazo de validade do produto. Lembremos que, em um teste de vida acelerado estipulamos o seu período de duração e no final examinamos as unidades. Portanto, corremos o risco de nos deparar com qualquer uma das seguintes situações:

examinar todas as unidades do produto no final do teste e considerar que nenhuma delas “falhou” (amostra censurada à direita) ou;

constatar que, para todas as unidades o nível de micro-organismos superou o limite permitido entretanto, não sabemos em que ponto no tempo isso aconteceu (amostra censurada à esquerda) ou;

uma mistura das duas situações anteriores.

5.2 - Variáveis de Estresse

Variável de estresse é aquela que, utilizada em um teste em níveis diferentes daqueles considerados em condições normais de uso (normalmente em níveis mais elevados), encurta o tempo até a falha do produto ou material. Retomemos o exemplo das memórias de computador do tipo RAM. Sabemos que, para esse dispositivo, a tensão nominal de uso é 5 volts e quando utilizada a níveis mais elevados a tensão acelera a degradação do produto. Portanto, tensão é uma variável de estresse para essas memórias. Para produtos alimentícios, temperatura e umidade são, em geral, variáveis de estresse.

Formas de Aceleração de Testes

De modo geral, aceleramos um teste submetendo as unidades à níveis mais altos de estresse do que aqueles encontrados nas condições normais de uso. Em outras palavras, escolhemos níveis para as variáveis de estresse bem mais altos do que aqueles aos quais os produtos são submetidos em condições normais de uso (certos testes podem ser acelerados usando níveis baixos para as variáveis de estresse no entanto, isso não é muito comum). As formas de aceleração podem ser divididas de acordo com dois tipos de variáveis de estresse:

Aceleração por alta taxa de uso

Nesse caso, a variável de estresse é o uso. O produto é colocado em operação porém, com uma taxa de uso mais elevada do que a normal. Isso pode ser feito de duas maneiras:

velocidade mais alta - por exemplo, coloca-se um motor em funcionamento a uma velocidade mais alta do que ele funcionaria normalmente;

redução do tempo de descanso - nesse caso, o mecanismo automático de acionamento de vidro é um exemplo típico. Deixa-se o mecanismo funcionando por um certo número de ciclos maior que o número diário esperado. Outro exemplo é o de uma máquina de lavar roupas. Em uma residência, acredita-se que ela fica em funcionamento uma ou duas horas por dia. Em um teste, poderíamos colocá-la em funcionamento por 24 horas, ininterruptamente.

Aceleração por altos níveis de estresse

Nesse caso, o produto é submetido a níveis elevados das variáveis de estresse com o objetivo de encurtar o tempo de vida ou degradar a performance do produto de maneira mais rápida. Nesse tipo de aceleração as variáveis de estresse podem ser definidas como temperatura, voltagem, vibração, entre outras.

Para alguns tipos de materiais e produtos já é possível ter uma ideia de quais são as variáveis de estresse mais comuns. Alguns exemplos são apresentados nas Tabelas 1.5.1 e 1.5.2.

Materiais Medida de Performance Variável de Estresse
1. metais trinca, corrosão, oxidação temperatura, umidade, sal
2. dielétricos e isolantes tempo até a falha, alongamento temperatura, voltagem, vibração
3. alimentos e drogas tempo de estocagem, pH reações químicas específicas temperatura, umidade, radiação solar
4. plásticos propriedades mecânicas, firmeza da cor temperatura, vibração, choque

Tabela 1.5.1: Exemplos de Materiais, Medidas de Performance e Variável de Estresse.

Produtos Medida de Performance Variável de Estresse
1. semicondutores e componentes microeletrônicos tempo até a falha e características de operação temperatura, corrente, voltagem, umidade, pressão
2. capacitores tempo até a falha temperatura, voltagem, vibração
3. resistores tempo até a falha temperatura, voltagem, vibração
4. contatos elétricos corrosão, tempo até a falha temperatura, umidade, corrente
5. lâmpadas tempo até a falha, eficiência, luminosidade voltagem, temperatura, choque (elétrico ou mecânico)

Tabela 1.5.2: Exemplos de Produtos, Medidas de Performance e Variáveis de Estresse.

Formas de Aplicação de Carga (ou Nível) de Estresse

A carga de estresse em um teste acelerado pode ser aplicada de várias maneiras. Ressaltamos que essas formas só se aplicam para o segundo tipo de variável de estresse discutido no tópico anterior, isto é, outras variáveis que não o “uso”. A seguir apresentamos algumas formas de aplicação de carga de estresse.

Constante: é o tipo mais comum. Cada unidade é submetida à um nível de estresse constante. Note que, para que possamos modelar os dados obtidos devemos utilizar vários níveis de estresse. No entanto, uma vez fixado o nível de estresse para uma determinada unidade, está ficará submetida a este nível até o final do teste. As vantagens dessa forma de aplicação de estresse vão desde a simplicidade da realização do teste até o uso de modelos simples na análise dos resultados. Os modelos com base em estresse constante estão definidos na literatura e empiricamente verificados para alguns materiais e produtos. A análise dos dados para estimação das funções de confiabilidade também está bem definida e disponível em pacotes computacionais. Devido ao fato de que muitos produtos, quando em uso, estão submetidos a níveis de estresse constante, seria razoável nos concentrarmos nessa forma de aplicação de carga de estresse.

Escada (“step stress”): cada unidade é submetida a um nível de estresse por um período de tempo. Se a unidade não falhar, o nível de estresse é elevado para um novo patamar e o procedimento se repete. Portanto, nessa forma de aplicação de carga, o nível de estresse é aumentado em pequenos “degraus” até que ocorra a falha. A principal vantagem do “step stress” é submeter cada unidade rapidamente à ocorrência de falha. Por outro lado, sua maior desvantagem está na estimação das medidas de confiabilidade. A maioria dos produtos em condições normais de uso é submetida a uma carga constante e não do tipo “escada”. Portanto o modelo deve, de maneira adequada, levar em consideração o efeito acumulativo da exposição a estresses constante. Uma outra desvantagem do “step stress” é que os modelos de falha que ocorrem nos patamares mais altos, em geral, diferem daqueles que ocorrem em condições normais de uso.

Progressivo: cada unidade é submetida a um nível crescente de estresse, porém esse aumento não é feito em patamares mais progressivamente. O uso de testes com estresses progressivo apresenta as mesmas vantagens e desvantagens do tipo “escada”. Além disso, pode ser difícil em um teste acelerado controlar o aumento progressivo do nível de estresse.

Considerações Importantes para a Realização de um Teste Acelerado

A validade e a precisão das informações oriundas de um teste acelerado dependem do cuidado com o planejamento e a realização do mesmo. Este é um trabalho que deve ser desenvolvido de forma conjunta, por Engenheiros e Estatísticos. A seguir, listamos alguns elementos importantes, que bem definidos, garantirão a validade e precisão das informações. Lembrando que, estamos tratando de testes acelerados para estimação das medidas de confiabilidade do produto em condições de projeto.

Escolha da medida de performance: para muitos produtos já existem normas técnicas que definem quais são as medidas de performance a serem utilizadas e como medi-las. As medidas de performance para alguns materiais e produtos são apresentadas nas Tabelas 1.5.1 e 1.5.2 descritas acima. Em terminologia estatística, a medida de performance é chamada de variável resposta.

Definição de “falha”: é importante que fabricante e consumidor concordem antecipadamente com a definição de falha para evitar problemas futuros.

Determinação de Condições Realistas de Teste: o ideal é que um teste acelerado simule com precisão as condições reais de uso, exceto pelos níveis utilizados da variável de estresse. No entanto, apesar dos esforços, muitos testes diferem das condições reais de uso. Sendo assim, os Engenheiros assumem (baseados em experiência) que um produto cuja performance é boa nos testes terá boa performance em uso.

Definição das Variáveis de Estresse: nesse caso, nos deparamos com o fato de que, para muitos produtos, existem padrões/normas para os testes e para os estresses de aceleração. Alguns exemplos desses padrões/normas de variáveis de estresses são apresentados nas Tabelas 1.5.1 e 1.5.2. Contudo, para outros produtos pode não haver padrão estabelecido. Nesse caso, é preciso determinar os estresses apropriados por meio de experimentação. Há casos ainda que pode ser conveniente e/ou necessário utilizar mais do que uma variável de estresse, sendo de fundamental importância reconhecer qual estresse, de fato, diminui o tempo de vida do produto.

Definição da Forma de Aplicação da Carga de Estresse: a escolha da forma de aplicação de carga de estresse (constante, escada, etc.) depende de como o produto é sobrecarregado nas condições de uso e de limitações práticas e teóricas. No entanto, como já discutimos, o estresse constante é preferível sobre os outros tipos.

Escolha do Plano Experimental: um plano experimental é formado por três elementos, discutidos a seguir. Portanto, escolher um plano experimental significa:

Determinar os níveis de estresse: os níveis de estresse que são utilizados não devem ser tão altos a ponto de produzir novas falhas nas condições de projeto. Mesmo assim, os níveis devem ser altos o suficiente para provocar o aparecimento das falhas ativas no projeto. Isto requer uma experimentação adequada, anterior ao teste, para que os níveis de estresse possam ser bem definidos,

Determinar o tamanho da amostra: determinar quantas unidades no total serão submetidas à teste,

Determinar a proporção de alocação: dada uma amostra com n unidades e o número de níveis de estresse, devemos determinar quantas unidades serão testadas em cada nível. A engenharia tradicional, fixa um total de três a quatro níveis de estresse e aloca o mesmo número de unidades para cada nível. Essa prática gera resultados menos precisos do tempo de vida em níveis baixos, uma vez que as falhas ocorrem com menor frequência. Nos níveis mais baixos, uma quantidade maior de unidades devem ser submetidas à teste do que nos níveis mais altos.

5.3 - Relação Estresse-Resposta

Iniciamos esse tópico com algumas ideias que são de fundamental importância para o entendimento dos conceitos introduzidos a seguir. Mesmo já familiarizados com experimentos, qualquer que seja sua finalidade, já nos deparamos com situações na qual, mesmo mantendo as condições de experimento fixas, por exemplo temperatura ou tensão, nem sempre obtemos os mesmos resultados. Essa constatação pode ter suas origens nas causas mais variadas, desde problemas com o aparelho de medição até o fato de não podermos controlar todas as fontes de variabilidade envolvidas em um experimento, seja por desconhecimento das mesmas ou pela impossibilidade prática de se executar tal controle. Dado estas condições de variabilidade, podemos dizer que o tempo até a falha (resposta) está relacionado com o estresse (variável de estresse) segundo um modelo dado por

$\hbox{Tempo} = f \hbox{(estresse)} + \hbox{erro}$

A função “f” deve ter uma forma funcional tal que expresse uma tendência decrescente. Essa função é a que chamamos de “relação estresse-resposta”, e poderia ter qualquer forma, como por exemplo

  • $\hbox{tempo} = \hbox{(estresse)}^{-2}$

  • $\hbox{tempo} = \hbox{(estresse)}^{-3}$

Na verdade, utilizamos como relação estresse-resposta os modelos que tenham algum significado físico ou químico. Os mais comum são os de Arrhenius e Potência Inversa, discutidos a seguir. Podemos notar que a relação estresse-resposta é um modelo determinístico, ou seja, para um dado valor da variável de estresse obtemos um único valor para o tempo até a falha. Entretanto, utilizando apenas essa relação determinística não somos capazes de explicar a variabilidade de valores encontrados para a variável resposta em um mesmo nível de estresse. Portanto, é necessário acrescentar ao componente determinístico (relação estresse-resposta) um componente probabilístico, que seja capaz de explicar a variabilidade dos tempos de falha das unidades sob teste em um mesmo nível de estresse. Assim, para cada nível de estresse, os tempos de falha das unidades seguem uma dada distribuição de probabilidade, sendo o componente probabilístico do modelo descrito por esta distribuição. Contudo, os modelos aqui discutidos possuem um componente determinístico e um componente probabilístico, definido de acordo com a distribuição do tempo até a falha. A seguir apresentamos duas relações estresse-resposta mais utilizadas na prática em modelos para testes de vida acelerados.

Relação de Arrhenius

A relação de Arrhenius é utilizada para relacionar o tempo de falha do produto e a variável de estresse temperatura. Alguns exemplos de aplicação incluem:

  • dielétricos;

  • plásticos;

  • filamentos de lâmpadas incandescentes.

Essa relação é baseada na Lei de Arrhenius. De acordo com essa lei, a taxa de uma reação química simples (de 1ª ordem) depende da temperatura segundo a expressão

$$\hbox{Taxa} = A^{\prime}\exp\left[-\dfrac{E}{k \times \hbox{Temp}}\right] \tag{5.3.1}$$

em que

  • E é a energia de ativação, normalmente em elétrons-volts;

  • k é a constante de Boltzmann: $8,6171 × 10^{-5}$ por K (Kelvin);

  • Temp é a temperatura absoluta Kelvin $(273,16 + ºC)$ e

  • A' é uma constante que é característica do mecanismo de falha do produto e das condições de teste.

Assim, podemos explicar a falha devido a uma reação química ou difusão através de uma relação bem simples. Assumindo que o produto falhou quando uma quantidade crítica do produto químico reagiu, uma visão simplificada dessa situação pode ser dada por:

$$\hbox{Quantidade~Crítica} = \hbox{Taxa} \times \hbox{Tempo até a Falha}$$

ou de maneira equivalente,

$$\hbox{Tempo até a Falha}=\dfrac{\hbox{Quantidade Crítica}}{\hbox{Taxa}}. \tag{5.3.2}$$

Com isso, temos que o tempo até a falha T é inversamente proporcional à taxa (5.3.1). O uso combinado de (5.3.1) e (5.3.2) dá origem à Relação de Arrhenius, dada por

$$T = A \exp\left(\dfrac{E}{K \times \hbox{Temp}}\right), \tag{5.3.3}$$

em que $A = (\hbox{Quantidade~Crítica})/A^\prime$.

Aplicando o logaritmo em ambos os lados de (5.3.3) obtemos a forma linearizada

$$\log(T) = \beta_0 + \dfrac{\beta_1}{T}$$

ou ainda,

$$\log(T) = \beta_0 + \beta_1x, \tag{5.3.4}$$

sendo que

$\beta_0 = \log(A),~\beta_1 = \left( \dfrac{E}{k} \right)~{e}~x = \dfrac{1}{T}.$

Note que $x = 1/T$ é o inverso da temperatura absoluta. No entanto, muitas vezes trabalhamos com $x = 1000/T$ para evitar problemas computacionais oriundos do uso de números muito pequenos.

A relação de Arrhenius mostra que o logaritmo do tempo de falha, $\log(T)$, é uma função linear do inverso da temperatura absoluta, $x = 1/T$. Nas aplicações, é comum utilizarmos, ao invés do tempo de falha $T$, um percentil especificado ou a média da distribuição do logaritmo do tempo de falha. As escolhas mais comuns são 50º (tempo mediano), 63,2º (tempo médio) e 10º percentis. Da relação de Arrhenius na forma (5.3.3) derivamos o Fator de Aceleração de Arrhenius, que é a razão entre o tempo de falha $T_{1}$ na temperatura $D_{1}$ e o tempo de falha $T_{2}$ em uma temperatura de referência $D_{2}$. Esse fator é dado por

$$A_c=\dfrac{T_1}{T_2}= \exp\left(\dfrac{E}{K}\left[\dfrac{1}{D_1}-\dfrac{1}{D_2}\right]\right)$$

Exemplo 5.3.1

Considere uma classe H de isolantes, E $\thickapprox 0,65 \hbox{eV}$. O fator de aceleração $A_{c}$, entre $T_{1} = 453,16 K$ (temperatura de projeto, equivalente a 180ºC) e $T_{2} = 533,16$ K (260ºC) é dada por

$$A_c=\exp\left(\dfrac{0,65}{8,61\times10^{-5}}\left[\dfrac{1}{453,16}-\dfrac{1}{533,16}\right]\right)=12.$$

Portanto, $A_{c} = 12$ significa que os itens em operação a 180ºC duram cerca de 12 vezes mais do que aqueles em operação a 260ºC.

Note que o cálculo do fator de aceleração é determinístico, ou seja, ele não leva em conta a variabilidade implícita em dados experimentais.

Relação de Potência Inversa

Essa relação é utilizada para modelar o tempo de falha em funções de qualquer tipo de variável de estresse. Alguns exemplos de aplicações incluem:

  • lâmpadas incandescentes

  • fadiga de metais

  • isolantes, dielétricos, entre outros.

Suponha que a variável de estresse V seja positiva (como acontece na maioria das situações). A relação de potência inversa tem a seguinte forma

$$T = \dfrac{A}{V^{\beta_1}}, \tag{5.3.5}$$

em que T é o tempo até a falha, A e $\beta_1$ são parâmetros característicos do produto, geometria, fabricação, método de teste, etc.

Ainda, podemos escrever

$$\log(T) = \beta_0 + \beta_1[-\log(V)] = \beta_0 + \beta_1x, \tag{5.3.6}$$

em que $\beta_0 = log(A)~$ e $~x = -\log(V)$. Da expressão (5.3.5) derivamos o Fator de Aceleração entre o tempo de falha $T_{1}$ no nível de estresse $V_{1}$ e o tempo de falha $T_{2 }$no nível de estresse de referência $V_{2}$, dado por

$$A_c = (V_2/V_1)^{\beta_{1}}.$$

Das expressões (5.3.4) e (5.3.6) podemos derivar uma forma geral para a relação estresse-resposta, dada por

$$\log(T)=\beta_0 +\beta_1x,$$

em que

  • se $x=\left(\dfrac{1}{T}\right),$ sendo T a temperatura absoluta, temos a relação de Arrhenius e

  • se $x=-\log(V),$ sendo V uma variável de estresse qualquer, temos a relação de Potência Inversa.

Obs.: No Apêndice apresentamos um resumo das relações estresse-resposta na forma log-linear, mostrando a equivalência entre os parâmetros.

5.4 - Aplicações das Relações Estresse-Resposta em Conjunto com os Modelos Probabilísticos

Nesse tópico, apresentamos alguns aspectos importantes de um plano para a realização de testes de confiabilidade. Sejam eles:

  1. um conhecimento dos requerimentos funcionais e de confiabilidade do produto;

  2. um entendimento das condições operacionais e ambientais sob as quais o produto irá operar;

  3. os modos e mecanismos de falhas esperados;

  4. um modelo de aceleração para cada mecanismo de falha (relação estresse-resposta) para realizar o teste e analisar os resultados;

  5. capacidade de delinear e conduzir o teste;

  6. capacidade de analisar as falhas físicas;

  7. capacidade de interpretar os resultados e tirar conclusões.

Dentre os aspectos citados acima, tratamos apenas do item 7. Apresentamos também um exemplo simplificado de aplicação da relação de Arrhenius a semicondutores, combinada com o Modelo Probabilístico Exponencial.

Exemplo 5.4.1

Aplicação da relação de Arrhenius em conjunto com a Distribuição Exponencial. O fabricante de um micro-processador realizou ensaios dinâmicos de vida a 125ºC, em um total de 1000 componentes, tendo observado o total de 37 falhas ao final dos ensaios, os quais tiveram a duração de 1000 horas (963 observações são censuradas).

Os 37 tempos de falha (em horas) observados são: 1, 23, 54, 55, 68, 102, 104, 117, 139, 179, 188, 189, 211, 230, 230, 249, 250, 279, 282, 282, 298, 322, 325, 330, 344, 351, 354, 357, 373, 409, 495, 503, 537, 548, 657, 879, 1300.

Sabe-se que a energia de ativação do mecanismo de falha acionado pelo ensaio é de 0,4 eV. Temos interesse em determinar a taxa de falhas à temperatura de operação de 35ºC. Para solucionar o problema consideramos os seguintes passos:

1. Construir o papel de probabilidade no Software Action a fim de escolher o modelo probabilístico mais adequado (Weibull, Exponencial e Log-normal).

resultados_papel_prob Figura 5.4.1: Papel de probabilidade.

Distribuição Anderson-Darling P-valor
Normal(mu = 313.89, sigma = 250) 1.4632 0.0008
Exponencial(Taxa = 0.00318581) 1.5755 0.0247
Weibull(Forma = 1.27843, Escala = 337.12) 0.6049 0.1112
Log-Normal(log(mu) = 5.3529, log(sigma) = 1.19469) 2.1274 0

Tabela 1.5.3

Figura1.5.1

Figura 1.5.1

2. Estimar os parâmetros da distribuição exponencial.

Visto que a distribuição exponencial é adequada para representar os dados, podemos estimar o MTTF por

$$\widehat{\alpha}=\widehat{\hbox{MTTF}}=\dfrac{\sum_{i=1}^{n} t_i}{r}=\dfrac{11614+(963 \times 1000)}{37}=26341~\hbox{horas}.$$

3. A equação de Arrhenius pode então ser escrita como

$$\widehat{\lambda_{35}}=\widehat{\lambda_{125}}\exp\left(\dfrac{E}{K}\left(\dfrac{1}{T_{125}}-\dfrac{1}{T_{35}}\right)\right)$$

em que

  • $T_{35}$ = 308ºK;

  • $T_{125}$ = 398ºK;

  • E = 0,4 eV para o mecanismo de falha considerado;

  • $\widehat{\lambda}_{125}= 1/\widehat{\hbox{MTTF}}= 37964 \times 10^{-9}~\hbox{falhas} / \hbox{item-hora}.$

Portanto,

$$\widehat{\lambda}_{35}=37964 \times 10^{-9}\exp\left(\dfrac{0.4}{8.6 \times 10^{-5}}\left[ \dfrac{1}{398}-\dfrac{1}{308}\right]\right)$$

$$=1248\times 10^{-9}~\hbox{falhas}/ \hbox{item-hora}=1248~\hbox{fits}.$$

Alguns comentários

Observe que só é possível utilizar o fator de aceleração de Arrhenius se a energia de ativação para o mecanismo de falha for conhecida. No entanto, existem valores tabelados de energia de ativação (E) de acordo com o mecanismo de falha e a variável de estresse (veja tabelas no Apêndice). Por outro lado, quando a energia de ativação não é conhecida, é preciso estimá-la a partir de dados experimentais. Nesse caso, devemos conduzir os testes de vida acelerados em diferentes níveis de temperatura de tal forma que a energia de ativação possa ser estimada pela inclinação da reta que passa através dos pontos. Ainda, cabe ressaltar que pequenas variações em E podem ocasionar mudanças enormes nos valores extrapolados. Portanto, é de grande importância obter estimativas precisas dos parâmetros envolvidos nas equações das relações estresse-resposta.

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